O que o STF pode fazer se o Congresso reduzir as penas de condenados pelo 8 de Janeiro
STF poderá reavaliar sentenças e vetar reduções automáticas — cada caso depende de decisão judicial individual

Brasília — Com a aprovação do PL da Dosimetria na Câmara dos Deputados, que pode reduzir penas de pessoas condenadas por crimes relacionados ao atentado antidemocrático de 8 de janeiro de 2023 — inclusive do ex-presidente Jair Bolsonaro — o debate se volta para o papel do Supremo Tribunal Federal (STF) em eventuais recursos e efeitos práticos da lei.
Como o PL muda as regras
- O substitutivo aprovado na Câmara propõe que crimes de “golpe de Estado” e “abolição violenta do Estado Democrático de Direito” praticados no mesmo contexto não acumulem penas — ou seja, apenas a mais grave seria aplicada, com acréscimo mínimo.
- Também prevê a progressão mais rápida de regime: condenados poderiam passar para regime semiaberto com apenas 1/6 da pena cumprida.
- Com isso, a condenação imposta ao ex-presidente — atualmente de 27 anos e 3 meses — poderia ser recalculada em um patamar mais brando.
O papel do STF: os limites e o controle judicial
Mesmo que o PL seja aprovado no Senado e sancionado — transformando-se em lei —, o STF mantém um papel central. Segundo juristas consultados por CartaCapital, cabe ao tribunal definir como a nova norma será aplicada aos casos já condenados. Ou seja: a redução de pena não seria automática.
Isso implica que:
- Cada caso passaria por reavaliação de dosimetria, com decisões individuais de juízes competentes;
- Eventuais recursos poderiam ser levados ao STF, especialmente se houver alegações de que a nova dosimetria ofende princípios constitucionais — por exemplo, o de proteção ao Estado Democrático de Direito ou vedação a “tratamento especial”.
- A Corte também pode exercer controle de constitucionalidade, avaliado de acordo com a lei sancionada e eventuais efeitos colaterais sobre o sistema penal.
Por que a Corte não deve entrar com anulação imediata
Especialistas afirmam que, em tese, o STF não deverá declarar de ofício a inconstitucionalidade da lei da dosimetria — a menos que haja ação direta de inconstitucionalidade ou arguição de descumprimento de preceito fundamental.
Isso significa que, se a lei for sancionada e receber parecer favorável, os condenados poderão pedir a revisão da pena. A Corte, neste caso, apenas dirá como aplicar a norma.
O que permanece em disputa
A controvérsia não é apenas judicial — é também política e simbólica. Entre os pontos mais debatidos estão:
- A possibilidade de beneficiados incluem figuras centrais da trama golpista — não apenas “rabos soltos”.
- A noção de “justiça igualitária”: críticos argumentam que reduzir penas de quem atentou contra a democracia mina a credibilidade da lei penal e envia mensagem de impunidade.
- O futuro da memória histórica e da responsabilização: se condenados por crimes graves de ataque ao Estado receberem reduções significativas, isso pode enfraquecer a responsabilização como instrumento de reparação institucional.
O próximo passo
O PL da Dosimetria segue para o Senado, onde será relatado por Esperidião Amin (PP-SC). O texto espera votação na CCJ e, depois, no plenário da Casa. Se aprovado, vai à sanção ou veto do presidente da República. Só após esse rito a norma poderá ser aplicada — e, mesmo então, valerá o crivo dos tribunais.
Para os próximos meses, o cenário será de intensa disputa institucional: entre Congresso, Executivo e Judiciário, define-se não apenas o futuro imediato dos condenados, mas a força real da lei penal e o respeito à democracia.
