Ministros entendem que projeto aprovado pela Câmara, que reduz penas de ex-presidente e demais sentenciados, viola independência do Judiciário e pode ser considerado inconstitucional após tramitação completa

Brasília — Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) avaliam que a redução das penas impostas ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e aos demais condenados pelos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023 não deverá prevalecer caso o projeto de lei aprovado pela Câmara dos Deputados passe também pelo Senado e seja sancionado pelo Poder Executivo — podendo ser derrubado pela Corte Suprema. A avaliação ocorre nos bastidores do tribunal e está sendo reforçada entre ministros que participaram do julgamento da trama golpista.

A proposta em questão — chamada de PL da Dosimetria — foi aprovada pela Câmara na madrugada de 10 de dezembro de 2025 com 291 votos a favor e 148 contra, prevendo que penas por crimes como tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito sejam aplicadas pelo cálculo mais favorável ao condenado em vez de somadas, o que pode reduzir o total de pena de Bolsonaro de 27 anos e 3 meses para um período bem menor em regime fechado.

Argumentos do STF contra a mudança legislativa

Segundo relatos, ministros ouvidos nos corredores do Supremo consideram que a proposta tenta reescrever decisões judiciais já consolidadas, interferindo diretamente no resultado de um processo penal que teve sentença transitada em julgado — algo que, em sua visão, seria uma violação da independência do Judiciário e da separação dos poderes.

A maioria dos magistrados que participou do julgamento do núcleo principal dos atos de 8 de janeiro — incluindo o presidente do STF, Edson Fachin, o decano Gilmar Mendes e o relator dos processos, Alexandre de Moraes — compreende que alterar de maneira retroativa o cálculo de penas para beneficiar réus específicos desfigura a estrutura jurídica usada para fundamentar as condenações e pode comprometer a autoridade das decisões da Corte.

Ministros também destacam que o Congresso tem competência para legislar sobre penas e suas bases legais, mas não pode modificar veredictos judiciais já transitados em julgado ou interferir diretamente em sentenças individuais, especialmente quando se trata de condenações relacionadas a crimes que atentaram contra o Estado Democrático de Direito.

Caminho até a análise judicial

Antes de qualquer intervenção formal do STF, o projeto ainda enfrentará várias etapas na tramitação legislativa:

  • Aprovação no Senado Federal;
  • Sanção ou veto presidencial;
  • Possível derrubada de vetos pelo Congresso.

Somente depois que a matéria for transformada em lei e entrar em vigor é que o STF poderá ser provocado — por meio de ações diretas de inconstitucionalidade ou recursos individuais — a se manifestar formalmente sobre seu conteúdo e aplicação.

Contexto mais amplo

A proposta que alteraria a dosimetria das penas foi debatida em meio a intensa polarização política no Brasil, após a condenação de Bolsonaro e outros por ataques às instituições democráticas, incluindo a invasão das sedes dos três Poderes em 8 de janeiro de 2023. A votação na Câmara ocorre num cenário de disputa entre Legislativo, Executivo e Judiciário sobre a responsabilização de envolvidos nos atos antidemocráticos e os limites das reformulações legais propostas pelo Congresso.

Apesar das pressões e visitas de parlamentares ao STF nos últimos dias para tentar sensibilizar ministros a aceitar a tese da dosimetria, a maioria entende que alterar retroativamente o modo de cálculo das penas para beneficiar esses condenados representa um atentado à independência judicial — e que isso dificilmente será acolhido pela Suprema Corte se o caso chegar à análise constitucional.

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