O mundo do cinema e da política se misturam de forma inquietante com a confirmação de que Jim Caviezel vai interpretar Jair Bolsonaro no filme Dark Horse (“O Azarão”), previsto para estrear em 2026. A notícia, por si só, já seria controversa — mas, dentro do contexto político e de direitos democráticos ameaçados no Brasil, revela mais: a montagem de uma narrativa que busca reescrever o papel de Bolsonaro na história recente, elevando um condenado por tentativa de golpe a personagem heroico de cinema.

Caviezel, ator norte-americano de 57 anos, alcançou fama internacional por viver Jesus em A Paixão de Cristo (2004). Agora, ele troca o manto de Cristo por figurino de ex-militar e ex-presidente — cargo ocupado por um político que responde a graves acusações de conspiração contra o Estado Democrático de Direito. A metáfora é pesada: “fez Jesus, agora interpreta o demônio” — como criticam os que enxergam nessa escalação um escárnio à memória e à justiça.

A farsa da “cinebiografia”: estética de herói para um golpista

O filme Dark Horse promete revisitar a campanha de 2018, com destaque para o atentado sofrido por Bolsonaro em Juiz de Fora (MG). A produção é dirigida pelo norte-americano Cyrus Nowrasteh e o roteiro é assinado pelo deputado federal e ex-Secretário de Cultura, Mário Frias — figura alinhada politicamente ao ex-presidente.

Num país onde Bolsonaro foi condenado a 27 anos e três meses de prisão por crimes relacionados à tentativa de golpe de Estado e ataques às instituições democráticas, a decisão de transformá-lo em protagonista de longa-métrica não é neutra.

O filme se anuncia como “biografia”, mas tende a funcionar como propaganda: herói perseguido, injustiçado, vítima — elementos clássicos da narrativa epopéica. A escolha de Caviezel — com currículo ligado a filmes religiosos e posicionamentos conservadores — parece intencional para reforçar um imaginário de redenção, sacrifício e redenção política.