Relator no STF considera inconstitucional norma que fixa 1988 como referência para demarcação de terras indígenas, reacendendo embate entre Judiciário e Legislativo

O ministro Gilmar Mendes, relator das ações que questionam a chamada Lei do Marco Temporal, votou na manhã desta segunda-feira no Supremo Tribunal Federal (STF) pela inconstitucionalidade da norma aprovada pelo Congresso Nacional que estabelece a data da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988, como critério para demarcação de terras indígenas.

A legislação, que procura dar validade à tese do marco temporal – segundo a qual apenas povos indígenas que ocupavam fisicamente seus territórios na data de promulgação da Carta de 1988 teriam direito à demarcação – foi alvo de grandes controvérsias no país, suscitando críticas de lideranças indígenas, ambientalistas e constitucionalistas.

Disputa institucional renovada

O voto de Gilmar Mendes reacende a disputa entre o Judiciário e o Congresso Nacional, em um embate que acompanha o tema há anos. A lei foi aprovada em 2023 por parlamentares, incluindo a derrubada de vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e foi recebida pelos ruralistas como uma forma de dar segurança jurídica às incumbências fundiárias no campo.

Mendes entendeu que a fixação de 1988 como marco temporal para demarcação contraria o texto constitucional, que protege os direitos originários dos povos indígenas sobre as terras que tradicionalmente ocupam — sem estabelecer uma data-limite rígida. Para ele, a norma legislativa invade a competência do STF de interpretar a Constituição e, ao impor uma data específica, pode prejudicar comunidades que foram expulsas de seus territórios ao longo de décadas de violência e grilagem.

O julgamento ocorre em ambiente virtual, com os ministros registrando seus votos eletronicamente ao longo da semana. A Corte ainda pode sofrer atrasos ou pedidos de destaque que levem partes do julgamento ao plenário físico, o que pode postergar a conclusão da análise para além desta quinta-feira (18), prazo inicialmente previsto.

História de um tema controverso

O debate sobre o marco temporal tem sido um dos mais polarizadores da agenda fundiária e de direitos indígenas no Brasil. Em 2023, o STF chegou a considerar a tese como incompatível com a Constituição Federal, mas a aprovação da lei pelo Congresso voltou a colocar o tema na mesa de debates jurídicos e políticos.

A legislação é vista por líderes indígenas e organizações de direitos humanos como um retrocesso que ignora a história de expulsões forçadas e deslocamentos de povos originários ao longo de décadas, especialmente durante a ditadura militar. A tese contraria, segundo esses grupos, o princípio constitucional que garante direitos territoriais baseados na ocupação tradicional, e não em datas arbitrárias.

Por outro lado, setores do agronegócio e políticos ruralistas defendem o marco temporal como forma de oferecer “segurança jurídica” para proprietários de terras, especialmente em regiões de conflito fundiário — argumento rebatido por críticos que afirmam que ele serve mais aos interesses econômicos do que às proteções constitucionais.

Repercussão política

O voto de Gilmar Mendes reacende tensões entre o Legislativo e o Judiciário, com parlamentares defensores da lei afirmando que o Congresso tem legitimidade democrática para definir parâmetros de política territorial, enquanto juristas e movimentos sociais reforçam a supremacia da Constituição e o papel do STF em proteger direitos fundamentais.

Lideranças indígenas, ativistas e entidades de direitos humanos acompanharam com atenção a manifestação de Mendes, considerando seu voto um passo importante para reafirmar a proteção constitucional dos direitos originários e evitar retrocessos que possam afetar comunidades tradicionais em todo o país.

À medida que o julgamento avança, a tensão entre os poderes indica que o tema continuará no centro do debate político brasileiro — tanto nas salas de tribunal quanto nos corredores do Congresso Nacional.

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