Movimentação questionável expõe risco de “porta giratória”: de regulador de políticas sociais a agente de instituição investigada por fraudes

No rastro das prisões, falências e irregularidades que cercam o colapso do Banco Master, surge uma denúncia ainda mais grave: o ex-ministro da Cidadania do governo Jair Bolsonaro, Ronaldo Vieira Bento, teria acelerado a liberação de crédito consignado para beneficiários do programa Auxílio Brasil — e, logo depois, assumido cargos de direção em empresas ligadas ao conglomerado financeiro que lucrou com esse tipo de empréstimo. A descoberta é baseada em documentos e reportagens recentes, que revelam como o consórcio de interesses públicos e privados foi ativado para converter miséria social em lucro para a elite financeira.

O papel de Bento no crédito consignado do Auxílio Brasil

Durante o governo Bolsonaro, políticas sociais como o Auxílio Brasil ganharam uma reforma significativa: passou a permitir que beneficiários do programa contratassem empréstimos consignados, com desconto diretamente em seus benefícios. A mudança legal e regulatória abriu uma porta ampla para operações de crédito de risco — com forte apelo eleitoral. Documentos apontam que Bento, ao assumir a Cidadania, teve papel decisivo nesse arcabouço: sob sua gestão, o crédito consignado foi de fato liberado e intensificado. O resultado foi um aumento exponencial da base de contratos de consignado entre beneficiários de renda social.

Relatórios da Controladoria‑Geral da União (CGU) mostram que 93% dos contratos de empréstimo consignado vinculados ao Auxílio Brasil foram firmados entre o primeiro e o segundo turno da eleição de 2022 — num nítido sinal de urgência eleitoral. Além disso, há registro de descontos irregulares que teriam atingido mais de 56 mil famílias.

A transição imediata do governo para o “ecossistema Master”

A parte mais escandalosa da denúncia se dá pela chamada “porta giratória”: menos de dois anos depois de deixar o ministério, Bento migrava para o setor privado — mas não para qualquer empresa. Ele assumiu a direção da Mettacard Administradora de Cartões, empresa de cartões-consignado, e tornou-se diretor da Banco Pleno S.A. — instituição surgida da cisão do Banco Master. A cisão havia sido aprovada pelo Banco Central do Brasil (BC) em meio à crise do Master.

Relatórios societários e decisões da CGU, cruzados com dados públicos, indicam que a Mettacard e o Banco Pleno operavam diretamente para capturar e lucrar com a carteira de empréstimos consignados criada no governo. A estrutura aponta que o ex-ministro, já fora do governo, se beneficiava diretamente das regras que ajudou a implantar na máquina pública.

Investigações, CPMI e risco político

A situação ganha contornos institucionais graves. Parlamentares da CPMI do INSS pediram a convocação de Bento para prestar esclarecimentos. A acusação: que ele teria atuado diretamente na liberação do crédito consignado via Auxílio Brasil e assumido cargos em empresas beneficiadas pela mesma medida. Isso, segundo críticos, configura conflito de interesse evidente e uso de política pública para favorecer setor financeiro privado — com consequências diretas para trabalhadores vulneráveis.

Analistas ouvidos pela imprensa classificam o caso como um padrão de “portas giratórias” e “política de maquiagem social”. Ou seja: medidas que, apesar de apresentadas como apoio social, são transformadas rapidamente em oportunidade de lucro para o grande capital. O que deveria ser rede de proteção social vira instrumento de endividamento da população mais pobre.

O prejuízo social por trás dos “lucros”

Para milhares de famílias que dependiam do Auxílio Brasil, o crédito consignado significou mais endividamento e insegurança. Em muitos casos, o valor dos benefícios foi comprometido por descontos consecutivos, muitas vezes acima da capacidade real de pagamento. A denúncia de 56 mil famílias afetadas por descontos irregulares mostra que o modelo foi usado para transferir dinheiro do povo para os cofres do sistema financeiro — com participação direta de agentes públicos convertendo essa vulnerabilidade em mercado.

Enquanto isso, entidades e empresas ligadas ao Banco Master se envolvem em escândalos de fraude bilionária, investigação da Polícia Federal e medidas de liquidação extrajudicial decretadas pelo Banco Central. O colapso do Master escancara a fragilidade estrutural desse tipo de negócio — e evidencia que a “ajuda social via consignado” foi, para muitos, armadilha.

Tempo de prestar contas — e de mudar o sistema

O caso demonstra por que é urgente retomar o debate sobre a estrutura financeira dos programas sociais no Brasil. Quando a concessão de crédito consignado se mistura a programas de transferência de renda, cria-se uma rede perversa que beneficia os bancos — e precariza a vida de quem já vive à margem. A “liberação de crédito” parece progresso, mas na prática produz endividamento, dependência e vulnerabilidade.

Para reparar isso, é necessário mais do que investigações: devemos exigir transparência, limites claros para o crédito consignado em benefícios sociais, e mecanismos reais de proteção aos beneficiários. Além disso, a “porta giratória” precisa ser barrada: ninguém que formule políticas públicas deve sair do governo e entrar no setor que lucra com elas — ou, se entrar, deve prestar contas ao país.

O Brasil não pode aceitar que ajuda social vire negócio de banqueiro.

Fonte: Revista Fórum, Hora do Povo, Metropóles

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