Projeto amplia punições, cria novos tipos de crime, permite bloqueio amplo de bens e prevê monitoramento até de conversa entre preso e advogado, acendendo alerta sobre abuso de poder e fragilização de garantias democráticas

A Câmara dos Deputados aprovou o chamado PL Antifacção, um pacote penal apresentado como resposta ao crime organizado, mas que saiu do plenário com a marca do endurecimento amplo e difuso do sistema de justiça. O texto aumenta penas, cria novos tipos penais, autoriza bloqueios extensivos de patrimônio e abre espaço para investigações mais sigilosas, inclusive com monitoramento de conversas entre presos e advogados, o que acendeu o alerta de juristas e entidades de direitos humanos.

Na prática, o projeto tenta mostrar reação do Estado às facções, mas entrega um conjunto de medidas que pode atingir, de forma desproporcional, a população pobre e periférica, além de ampliar o poder de promotores, juízes e forças de segurança sem o mesmo cuidado com mecanismos de controle.


Principais pontos do PL Antifacção aprovado

  • Penas mais duras para crimes graves
    O projeto eleva penas de homicídio, roubo e latrocínio ligados a facções, chegando a 20 a 40 anos. Especialistas alertam para maior superlotação prisional sem enfraquecer o financiamento das organizações.
  • Novos crimes e progressão mais rígida
    Tipifica uso de drones, ataques a infraestrutura, domínio territorial e “novo cangaço”. A progressão exige cumprimento de 70% a 85% da pena, ampliando o encarceramento sem políticas de prevenção.
  • Chefes de facção no sistema federal
    Determina que lideranças sejam mantidas em presídios federais de segurança máxima. Críticos lembram que o modelo é superrestritivo, já foi alvo de denúncias de violações e não impede reorganização externa das facções.
  • Bloqueio antecipado de bens
    Permite congelar dinheiro, imóveis e criptomoedas de investigados antes da condenação. A justificativa é atingir o caixa das facções, mas juristas alertam para risco de medidas desproporcionais e prejuízos irreversíveis a inocentes.
  • Intervenção em empresas vinculadas ao crime
    Autoriza afastamento de sócios, intervenção judicial, auditorias e até liquidação de empresas suspeitas de se beneficiar de organizações criminosas. A amplitude pode atingir negócios apenas sob suspeita, com impacto econômico direto.
  • Investigações sigilosas e monitoramento de parlatórios
    Amplia hipóteses de sigilo e permite, em casos excepcionais, monitorar conversas entre presos e advogados. Embora haja previsão de controle pelo CNJ e CNMP, entidades alertam para riscos de abuso, violação de sigilo profissional e uso político da lei.

Risco de expansão do poder punitivo sem controle

Ao somar aumento de penas, mais tipos penais, bloqueios patrimoniais antes da condenação e ampliação do sigilo investigativo, o PL Antifacção desenha um Estado mais forte para punir, mas não necessariamente mais inteligente para prevenir. A conta tende a ser paga, como sempre, pelos mesmos: jovens negros, pobres e moradores de periferia, que já são o alvo preferencial da violência institucional.

Enquanto o governo tenta corrigir o rumo no Senado, o Congresso exibe protagonismo na pauta da segurança pública apostando em medidas duras, rápidas e populares. Na superfície, a narrativa do “combate às facções” é sedutora. No detalhe, porém, o projeto reabre um debate incômodo: até que ponto o Brasil está disposto a sacrificar garantias democráticas em nome de uma segurança que, historicamente, nunca chegou para todos?

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