Lula reage ao PL Antifacção e acusa Câmara de fragilizar combate ao crime
Presidente critica mudanças feitas pela Câmara no projeto original do governo, diz que texto “troca o certo pelo duvidoso” e aposta no Senado para corrigir dispositivos que, segundo o Planalto, favorecem quem quer escapar da lei

Aprovado na noite de terça-feira (18) por 370 votos a 110, o chamado PL Antifacção foi apresentado pelo Planalto como um marco legal para sufocar financeiramente as facções criminosas, fortalecer a atuação da União e ampliar instrumentos de inteligência e cooperação entre forças de segurança.
No entanto, a versão que saiu do plenário da Câmara não leva a assinatura política do governo. O texto foi redesenhado pelo relator Guilherme Derrite (PP-SP), deputado bolsonarista licenciado do cargo de secretário de Segurança Pública de São Paulo, em articulação com o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), e a base de direita.
Em publicação na rede X (antigo Twitter), Lula deixou claro o desconforto:
“Precisamos de leis firmes e seguras para combater o crime organizado. O projeto aprovado ontem pela Câmara alterou pontos centrais do PL Antifacção que nosso governo apresentou. Do jeito que está, enfraquece o combate ao crime e gera insegurança jurídica. Trocar o certo pelo duvidoso só favorece quem quer escapar da lei.”
Segundo a apuração da CNN, o governo vê risco de que dispositivos incluídos ou modificados pela Câmara criem amarras ao trabalho da Polícia Federal e da Receita Federal, além de abrirem brechas para questionamentos judiciais que podem paralisar investigações e operações contra as facções.
A própria bancada governista orientou voto contrário ao parecer de Derrite, numa derrota simbólica para o Planalto em uma pauta sensível: segurança pública, historicamente explorada pela direita como vitrine eleitoral. A disputa em torno do PL Antifacção, aliás, já vinha sendo interpretada por analistas como uma tentativa da oposição de se apropriar da agenda de combate ao crime em ano pré-eleitoral.
Governo aposta no Senado
Com a aprovação na Câmara, o texto segue agora para o Senado Federal, onde terá como relator o senador Alessandro Vieira (MDB-SE). A expectativa do governo é de uma tramitação rápida, mas com ambiente mais favorável à negociação e à retomada de pontos do projeto original enviado pelo Planalto no fim de outubro.
Lula fez um apelo público para que os senadores corrijam o rumo:
“É importante que prevaleça, no Senado, o diálogo e a responsabilidade na análise do projeto para que o Brasil tenha de fato instrumentos eficazes no enfrentamento às facções criminosas.”
O presidente reforçou ainda que o compromisso do governo é com uma agenda legislativa que fortaleça a PF, integre as forças de segurança e amplie o trabalho de inteligência, mirando não apenas o “soldado do crime” na ponta, mas as estruturas de comando e financiamento das facções.
Disputa política pela pauta da segurança
A guerra em torno do PL Antifacção não é apenas jurídica, mas abertamente política. Para a direita, nomes como Tarcísio de Freitas e o próprio Derrite vêm usando o projeto como vitrine, apresentando o texto aprovado na Câmara como endurecimento histórico no combate às facções e falando em “sepultar a era da leniência”.
Do lado do governo, a avaliação é oposta: ao reescrever trechos sensíveis, a Câmara teria transformado um projeto técnico, discutido por meses com especialistas, em um pacote negociado à pressa, com foco em sinalização política e recados ao eleitorado conservador — abrindo espaço para judicialização futura e instabilidade na aplicação da lei.
Na prática, o embate em torno do PL Antifacção expõe duas estratégias diferentes para a segurança pública: de um lado, o discurso punitivista e midiático da direita, que tenta carimbar qualquer crítica como “afago a bandido”; de outro, a tentativa do governo de preservar um arcabouço jurídico que permita investigar, rastrear dinheiro e desmontar estruturas de comando, sem transformar a lei em arma de desgaste político.
Se o Senado corrigir as distorções apontadas por Lula, o Planalto recupera parte do controle sobre uma pauta estratégica e reduz o espaço para que a oposição use o tema como palanque em 2026. Se prevalecer o texto da Câmara, o país pode sair da discussão com um “PL antifacção” que soa duro no discurso, mas que, na letra miúda, complica o trabalho dos órgãos de Estado e alimenta a insegurança que o governo diz querer combater.
