Senador diz que quer ouvir governo, PF, Receita e secretários de segurança antes de fechar o texto e promete separar “fatos de narrativas” no projeto que Lula acusa de enfraquecer o combate ao crime

O embate em torno do PL Antifacção chegou oficialmente ao Senado. Relator do projeto na Casa, o senador Alessandro Vieira (MDB-SE) afirmou que pretende entregar seu relatório até o fim da próxima semana e que, antes disso, quer ouvir formalmente o governo federal e todos os órgãos diretamente impactados pela proposta.

Vieira informou que já enviou ofícios ao Ministério da Justiça, ao Conselho Nacional de Secretários de Segurança Pública (Consesp), à Polícia Federal, à Receita Federal e ao Ministério Público, solicitando manifestações por escrito sobre o texto aprovado na Câmara. Segundo ele, o objetivo é ter “opinião formal” dos atores envolvidos para conseguir separar “fatos de narrativas” em meio à guerra política instalada em torno do projeto.

O relator também disse ter procurado o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), senador Otto Alencar (PSD-BA), para realizar uma audiência pública, de modo a ouvir, em sessão aberta, representantes do governo, das forças de segurança e especialistas. A intenção é construir um relatório que dê previsibilidade jurídica e reduza o risco de judicialização em série da futura lei.

O PL Antifacção foi aprovado na Câmara dos Deputados na noite de 18 de novembro, por 370 votos a 110, após o relator, deputado Guilherme Derrite (PP-SP), apresentar seis versões diferentes do parecer. O texto final, negociado com o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), é considerado uma derrota política para o governo Lula e detonou uma crise de confiança entre o Planalto e o comando da Casa.

O projeto nasceu como resposta à megaoperação no Rio de Janeiro que deixou 121 mortos em ações contra o Comando Vermelho. O governo enviou ao Congresso um marco legal para o combate ao crime organizado, mas viu a proposta ser desfigurada na Câmara, com mudanças que, segundo o Planalto, enfraquecem a atuação da Receita Federal, asfixiam a Polícia Federal e abrem brechas de insegurança jurídica. O próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva declarou que o texto “troca o certo pelo duvidoso” e “favorece quem quer escapar da lei”.

Ao assumir a relatoria no Senado, Vieira passa a ser peça central nessa disputa. Ele é visto nos bastidores como um nome relativamente independente, sem alinhamento automático nem ao governo nem à oposição, o que aumenta o peso político de seu parecer. Para o Planalto, o Senado é a última chance de recuperar pontos do projeto original; para a direita, é a oportunidade de consolidar, na Casa Alta, a versão “endurecida” que emplacou na Câmara.

Vieira sinaliza que não pretende esticar indefinidamente a tramitação. A ideia é apresentar o relatório na próxima semana, abrir prazo para emendas e, na sequência, deixar o texto pronto para votação na CCJ e em plenário. No meio do caminho, porém, estará a pressão de governadores, de corporações policiais, da bancada da bala e da base governista, todos disputando cada vírgula do projeto.

Na prática, o Senado se transforma agora no palco principal de uma batalha que mistura segurança pública, orçamento da PF e da Receita e cálculo eleitoral para 2026. Se conseguir estabilizar o texto, ouvir os órgãos técnicos e devolver alguma racionalidade ao debate, Alessandro Vieira pode sair do episódio fortalecido como relator. Se ceder à guerra de narrativas, o PL Antifacção corre o risco de chegar ao fim como mais um símbolo de lei escrita sob pressão, muito mais para atender ao jogo de poder em Brasília do que para enfrentar, de fato, o crime organizado espalhado pelo país.

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