CPMI do INSS entra em fase explosiva ao cruzar dados de descontos ilegais com transferências a pastores, templos e uma “fintech cristã”, e mira também o entorno político do Banco Master

A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito do INSS entrou em sua fase mais sensível ao passar a rastrear o caminho do dinheiro desviado de aposentados e pensionistas para o universo de igrejas, pastores e estruturas financeiras ligadas ao grupo do Banco Master. Novos requerimentos apresentados pelo deputado Rogério Correia (PT-MG) pedem quebras de sigilo e detalham uma teia que conecta fraudes em descontos consignados, entidades de fachada e lideranças religiosas de grande projeção nacional.

No centro das investigações está o esquema de descontos indevidos em benefícios previdenciários, operado por meio de filiações falsas, mensalidades não autorizadas e serviços nunca contratados. A CPMI calcula que, ao longo de anos, milhões de aposentados tiveram 40, 50 reais por mês subtraídos de seus contracheques, gerando um rombo de bilhões. A fase atual da apuração busca responder a uma pergunta direta: para onde foi esse dinheiro.

Documentos do COAF e da Receita Federal analisados pela comissão mostram que empresários ligados a Amar Brasil, CONAFER e CBPA realizaram repasses frequentes a igrejas, fundações religiosas e líderes evangélicos. Entre os destinos mapeados estão estruturas associadas à Igreja Batista da Lagoinha, redes ligadas ao pastor André Valadão e a Sete Church, em Alphaville (SP), comandada pelo pastor César Beluci. Um dos núcleos da fraude, apelidado de “Golden Boys”, teria enviado cerca de 694 mil reais para a Sete Church em um conjunto de transações consideradas atípicas.

Outro braço do esquema direcionou 200 mil reais ao pastor Péricles Albino Gonçalves, da Igreja Evangélica Campo de Anatote. Já a CBPA repassou 1,9 milhão de reais à empresa Network, que redistribuiu valores para integrantes da família do deputado federal Silas Câmara e para projetos ligados ao pastor Jônatas Câmara, presidente da Fundação Boas Novas. Entre os repasses identificados estão pagamentos à Fundação, ao filho e à filha do parlamentar, além de transferências adicionais intermediadas por outra empresa, a Conektah. A CPMI vê nessas operações um uso combinado de igrejas, fundações e empresas privadas como possível rota de lavagem e “esfriamento” de recursos.

O mapa traçado pelos investigadores alcança também a Associação dos Aposentados do Brasil (AAB), dirigida por fundadores de igrejas no Distrito Federal, como a Primeira Igreja Pentecostal Cristo a Esperança e a Igreja Ministério Visão de Deus. A sobreposição entre dirigentes de entidades de aposentados e lideranças religiosas reforça a suspeita de que estruturas “assistenciais” foram usadas como fachada para legitimar valores originados de descontos ilegais no INSS.

É nesse contexto que surge o elo com o Banco Master. Em sessão recente, Rogério Correia afirmou ver indícios de conexão entre as práticas financeiras sob investigação na CPMI e o universo de operações envolvendo o banco controlado por Daniel Vorcaro, preso após decisão do Banco Central e alvo de apurações por fraudes bilionárias. Para o deputado, há sinais de que parte dos fluxos financeiros e das estratégias de consignado se aproximam do modelo adotado pelo banco e por operadores acusados de participar do esquema.

Um dos pontos mais delicados é a chamada Clava Forte, apresentada como “fintech cristã”. A comissão investiga se a estrutura funcionou como mecanismo paralelo de circulação de dinheiro, sem registro adequado no Banco Central, servindo para movimentar recursos provenientes dos descontos fraudados. A suspeita é que a combinação entre fintech religiosa, entidades de aposentados e igrejas tenha criado uma engrenagem pensada para disfarçar a origem do dinheiro.

Diante desse quadro, a CPMI se prepara para votar uma série de quebras de sigilo bancário e fiscal de empresas, entidades e pessoas físicas citadas nos relatórios, além de solicitar novos Relatórios de Inteligência Financeira focados em transações envolvendo templos e fundações evangélicas. Pastores de grande visibilidade e dirigentes de associações ligadas ao esquema devem ser chamados a depor.

Do ponto de vista político, a investigação atinge em cheio a chamada bancada evangélica e expõe a interface entre negócios de consignado, estruturas religiosas e o sistema financeiro. Ao colocar na mesma linha de mira igrejas influentes, entidades de aposentados e o entorno do Banco Master, a CPMI do INSS deixa claro que a disputa já não é apenas sobre descontos indevidos, mas sobre um ecossistema inteiro que teria se acostumado a transformar fé, representação sindical e crédito consignado em canal silencioso de extração de renda dos mais pobres.

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