O que ele tem em comum com Sherman McCoy?

Não sei se Daniel Vorcaro leu “A fogueira das vaidades”. Me chamou a atenção o fato de ele ter trocado o nome do banco falido que comprou em 2016 – Máxima – para Master. Em português e em inglês, master é sinônimo de mestre. Que é como ele se vendia. Um mestre. Mestre do Universo. Tal como o protagonista de Tom Wolfe.

“E lá estava ele, o Mestre do Universo, o jovem Sherman McCoy, trinta e oito anos, formado em Yale, vendedor de títulos na Pierce & Pierce, o próprio ápice de Wall Street… parado na calçada com seu terno New & Lingwood de mil e oitocentos dólares e seus sapatos New & Lingwood de seiscentos e cinquenta dólares, enquanto sua Mercedes 450SL de quarenta e oito mil dólares esperava junto ao meio-fio.” 

Outra passagem clássica, quando ele se olha no espelho (ainda no Capítulo 1): “Aos trinta e oito anos, era um Mestre do Universo, e sabia disso. Examinou-se no espelho. Perfeito.” Wolfe repete a expressão várias vezes de forma irônica, como neste trecho (Capítulo 3): “Um Mestre do Universo, com um apartamento na Park Avenue e uma casa em Southampton e um emprego de seiscentos e cinquenta mil dólares por ano vendendo títulos, e um apartamento de um milhão e oitocentos mil dólares… e uma amante de quebra.” (Na história do “mestre” Daniel Vorcaro não há amantes. Mas há grandes amigos e aliados muito bem colocados no cenário de Brasília.)  

Sherman McCoy vive repetindo, em pensamento e em voz alta, que só o melhor é bom o suficiente para um Mestre do Universo. Capítulo 1, logo no começo, pensando na vida que construiu: “Ele merecia. Tinha lutado para chegar ao topo e agora tinha direito ao melhor que o dinheiro podia comprar”. 

Quando está escolhendo o terno caríssimo na New & Lingwood (Capítulo 1): “Só o melhor do melhor para Sherman McCoy, Mestre do Universo”. 

Sobre dominar o pedaço (Capítulo 2, narrando a si mesmo enquanto dirige a Mercedes): “Aqui estava ele, no banco do motorista, literal e figurativamente, o Mestre do Universo, comandando o próprio tráfego de Nova York”. 

A clássica cena ao telefone (Capítulo 5), quando ele se gaba: “Sou o maior vendedor de títulos da Pierce & Pierce. Ganho em um mês o que a maioria ganha em um ano. Tenho um apartamento de seis milhões na Park Avenue… Sou um Mestre do Universo.” 

E a pérola de arrogância regional (ele se acha superior até aos outros nova-iorquinos): “Essas pessoas não eram nada. Ele era Yale. Ele era Pierce & Pierce. Ele era um Mestre do Universo.”    

Para um “Mestre do Universo”, certas jogadas sujas são perfeitamente naturais — e em que aparecem suas relações (diretas ou indiretas) com o poder político e judicial de Nova York. 

Quando ele aceita tranquilamente o “favor” do estacionamento ilegal (Capítulo 1): Sherman estaciona a Mercedes em local proibido na frente do prédio, sabe que é ilegal, mas acha normal porque “todo mundo na Park Avenue faz isso”. 

O porteiro recebe gorjeta para cuidar do carro e mentir para a polícia se necessário. “O porteiro trata dessas coisas. É o papel dele. Um Mestre do Universo não pode se preocupar com ticket de estacionamento”. 

Para conseguir mesa no restaurante mais disputado de Nova York (Capítulo 3), ele desliza US$ 100 na mão do maître como se fosse a coisa mais natural do mundo. “Um Mestre do Universo não espera por mesas”. 

Quando ele próprio se gaba de como o dinheiro compra justiça (Capítulo 5). Sherman explica por que nunca se preocupa com multas ou problemas menores:   “Tenho um advogado fixo que resolve tudo. Multas de estacionamento, infrações de trânsito, qualquer coisa. Dinheiro faz a égua andar”.

Quando o caso do atropelamento explode, Sherman descobre que existe um serviço clandestino em Wall Street chamado “X-Ray Service”: por alguns milhares de dólares, eles descobrem quem é o juiz sorteado para o caso e quais são as “preferências” dele (ou seja, quem pode ser comprado ou pressionado). “Na Justiça de New York dinheiro pode comprar um juiz ou ao menos informação sobre um juiz e todo Mestre do Universo sabia disso”. 

O momento em que Sherman quase contrata o advogado Tommy Killian (Capítulo 22), o advogado “das ruas” que conhece todos os promotores e juízes do Bronx, e que explica abertamente como funciona. “A sua gente, a gente de Park Avenue acha que a lei é a lei. Aqui embaixo está tudo à venda: o juiz, o DNA, o júri. Você só precisa saber o preço”.   Sherman não se escandaliza — ele só fica irritado porque nunca precisou descer a esse nível antes.    Daniel Vorcaro, o Sherman McCoy de Belo Horizonte, (guardadas as devidas proporções), poderia ter saído direto das páginas de Tom Wolfe sem perder uma vírgula de arrogância. Quando o dono do Banco Master proclama “cheguei e dominei… com a competência mineira, não com a expertise paulista”, está apenas traduzindo para o português de Minas o mantra que Sherman repete para si mesmo todas as manhãs em frente ao espelho da Park Avenue. A diferença é só geográfica; o ego é exatamente do mesmo tamanho.

“Comprei o Fasano porque mereço o melhor”, diz Vorcaro sem corar. Sherman McCoy faria o mesmo, e Wolfe registrou a frase quase literal: “Só o melhor para Sherman McCoy, Master of the Universe.” 

Para ambos, o melhor não é escolha – é direito divino. O Fasano de Vorcaro é o equivalente exato do apartamento de 14 cômodos na Park Avenue de Sherman ou da mesa reservada no La Boue d’Argent que ele obtém deslizando uma nota de cem dólares na palma do maître como quem entrega um cartão de visitas. O dinheiro não compra luxo; compra a certeza de que as filas, as regras e os mortais comuns nunca se aplicarão a eles.    E quando o castelo começa a desabar, a reação é idêntica. Sherman, ao descobrir que o sistema judicial do Bronx não aceita American Express: “Ele sempre pensou que o dinheiro e a sua posição o afastariam da sórdida engrenagem da Justiça criminal.”

O crime de Sherman McCoy é “café pequeno” comparado com o leque de fortes indícios que pesam sobre Daniel Vorcaro. Sherman McCoy nunca teve um banco, nem usou o expediente de Vorcaro, uma espécie de pirâmide, captando bilhões com a promessa de altos lucros que aplicava em papéis podres, apostando na impunidade por meio de relacionamentos importantes em Brasília, com o que comprou jatinho de R$200 milhões, imóveis nababescos, e outros bens móveis e imóveis, comprou facilidades no mundo político e deixou um prejuízo ao país calculado, por ora, em coisa de R$40 bilhões.

Ser Mestre do Universo protege enquanto o fogo da vaidade estiver alto – mas quando a lenha acaba, a fogueira consome até o rei.

Porque, no fim, a frase que resume os dois não foi dita por Vorcaro nem por McCoy, mas por Tom Wolfe, em um dos capítulos mais cruéis do romance:  

“Yesterday a Master of the Universe; today a pathetic, whining wretch.” 

Ou Daniel Vorcaro não leu “A fogueira das vaidades” ou leu e não entendeu.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Notícias Progressistas.

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