Voo da FAB expõe bastidor entre Moraes e Derrite em plena disputa sobre o PL Antifacção
Ministro do STF e deputado relator do projeto dividiram aeronave da FAB a convite de Hugo Motta; interlocutores dizem que Moraes pediu para retirar equiparação de facções ao terrorismo, mas Derrite nega conversa

No dia 4 de novembro, um voo da Força Aérea Brasileira (FAB), solicitado pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), levou de São Paulo a Brasília o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e o deputado federal Guilherme Derrite (PP-SP), escolhido para relatar o PL Antifacção na Câmara. A aeronave partiu de Congonhas por volta das 9h e pousou na capital cerca de duas horas depois, reunindo no mesmo trajeto três dos principais atores envolvidos na disputa em torno do projeto que trata da atuação de facções criminosas.
De acordo com relatos de interlocutores próximos a Derrite, o deputado contou ter conversado com Moraes durante o voo sobre pontos sensíveis do PL. Segundo essas fontes, o ministro do STF teria sugerido ao parlamentar que não incluísse no parecer a equiparação de facções criminosas como PCC e Comando Vermelho ao terrorismo, ponto defendido por setores do Congresso e criticado por especialistas em direito penal e por membros do próprio Supremo. As informações foram inicialmente divulgadas pela coluna Painel, da Folha de S.Paulo, e repercutidas pelo Diário do Centro do Mundo.
Derrite, porém, nega que tenha havido qualquer diálogo com Moraes durante o deslocamento. Em nota, sua assessoria afirmou que o deputado não sabia que o ministro estaria no voo, que não conversou com ele e que qualquer contato com representantes de outros Poderes sobre o PL ficou a cargo de Hugo Motta. Mesmo assim, posteriormente o parlamentar foi confirmado como relator do projeto encaminhado pelo governo federal, escolha que gerou incômodo na equipe do presidente Lula e em setores que defendem uma abordagem técnica, e não oportunista, no enfrentamento às facções.
Procurada, a assessoria de Hugo Motta não respondeu se o presidente da Câmara teve participação direta em uma aproximação entre Moraes e o então secretário de Segurança Pública de São Paulo durante a viagem. Pessoas próximas ao deputado, no entanto, reiteram que ele mencionou o encontro e disse ter tratado do projeto antes de finalizar o relatório.
Do lado de Moraes, a equipe do ministro informou que ele usa aeronaves da FAB por razões de segurança e que não houve pedido específico de “carona” a Motta. Ressaltou ainda que os voos são frequentemente compartilhados com outras autoridades, que somente no embarque foi percebido que fariam o mesmo percurso e que o ministro não se sentou ao lado de Derrite, reduzindo a hipótese de uma conversa longa e reservada durante todo o trajeto.
A relatoria do PL Antifacção colocou Derrite sob forte pressão política e institucional. A primeira versão do texto, que incluía pontos como a exigência de que a Polícia Federal só atuasse mediante autorização de governadores, sofreu ampla reação e acabou recuada após críticas de diferentes setores. O episódio desgastou também aliados diretos do deputado, como o próprio Hugo Motta e o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), que correram para explicar o conteúdo e os impactos da proposta.
Paralelamente, Moraes segue atuando de forma intensa nos debates sobre segurança pública. Dias depois do voo, o ministro se reuniu com Hugo Motta e com o procurador-geral da República, Paulo Gonet, e também se encontrou com o governador Cláudio Castro (PL-RJ), após a operação policial que deixou 121 mortos no Rio de Janeiro, considerada a mais letal da história do estado, reforçando o protagonismo do STF na definição de parâmetros para o enfrentamento ao crime organizado.
No centro desse tabuleiro, o voo compartilhado da FAB se torna peça importante para entender a disputa política em torno do PL Antifacção: de um lado, a versão de interlocutores de Derrite de que Moraes sinalizou limites jurídicos para o enquadramento de facções como terrorismo; de outro, a negativa formal do deputado e o silêncio de Motta sobre o conteúdo da conversa.
